quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Segundo que passa

No mais pequeno fulgor
Em que a névoa se assume,
A saudade passa a dor
Quando sente o teu perfume.

A luz do coração que urge.
A mente que mente por paixão.
Será verdade ou alucinação ? 
A visão rápida que surge.

Olhar que não esmorece,
Doce como nuvem no céu.
Sorriso que não esquece,
Aberto atrás do véu.

Termina quando começa,
Gelando o sangue adormecido.
Quando será que regressa?
A oferenda do meu cupido.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Arte vivida


Cinzel frio de soberba cantante,
Mármore ardente de beleza cor.
Lápis solto de coração distante
Poema de vida gemendo amor.

Pincel de sangue que bombeia
Tinta crua na tela franca.
Cálida pauta que incendeia
Doce melodia de pérola branca.


Voz alada no palco santo,
Cativa a fome que se mata.
Actor de rua de nobre manto,
Taciturno herói que não farta.

Vítor Horta

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Luta do agora

A sombra que desfaz a luz que antes penetrava
No emaranhado de folhas castanhas de fuligem.
É fria!
Tão fria como a água,
Que ele bebia antes de a conhecer.
Eram bons tempos!
Apesar de frio!
Apesar do silêncio!
Agora não é muito diferente
Apesar da dor ser maior,
Clamando por uma palavra por um gesto.
Será que ainda há esperança para ele?
Arrefeceu, mas continua bem vivo,
Recusa-se a morrer!

Ainda não - diz ele!

Vítor Horta

Tu és

És a leve brisa que sossega,
O perfume ébrio cantando.
A luz livre que atravessa.
A poetisa sedenta ansiando.
O sonho preso que envolve.
A vida inebriante gritando.
O sopro florido que move.
A íris cintilante queimando,
O calor aventurado que invade.
A estrela branca sonhando,
A louca magia que estende.
A cor sorrindo no horizonte,
A lua perdida nas nuvens.
A alma tremendo perdida,
A rosa vermelha escondida.

És tu!

Vitor Horta

Alentejo


Semente que grita na terra lavrada,
Água que purifica a testa molhada.
Homem que limpa a sepultura sagrada,
Brisa gentia que sopra assustada,
Lua que paira sobre sombra iluminada.
Pérfida luz que sai de madrugada,
Ombro despido de cicatriz tatuada.
Ponte rasgada de paixão enamorada,
Raíz suspensa de inveja libertada.
Auróra coberta de cinza embrenhada,
Pássaro negro de asa rasgada,
Olhos vermelhos de raiva guardada.
Pó que corta a garganta inflamada,
Voz diluída na canção destinada.
Enxada sofrida de suor enferrojada,
Laranjeira ácida de amor perfumada.
Casa perdida de saudade caiada,
Castelo vivido de moura encantada,
Destino vazio de verdade sussurada.
Contrabandista de fronteira passada.
Guadiana que beija a deusa por ele criada,
Sol cálido que torra a herdade cremada.


Vítor Horta

domingo, 25 de setembro de 2011

Sopa


Sopa fervida,
que ferve nas veias da gente perdida.
Sopa bebida,
para a bébe deitada e adormecida.
Sopa gelada,
que gela a alma da velha esquecida.
Sopa cozida,
que alimenta a família de novo sofrida.
Sopa nutrida,
que engorda o Rico sem suor nem ferida.
Sopa sentida,
que se azeda e respira na noite despida.
Sopa esquecida,
que lembra a fome e doença aguerrida.
Sopa sonhada,
que repousa no jazido da casa amada.
Sopa esquentada
que pesa na boca aflita e amargurada.
Sopa envenenada,
que ressuscita a liberdade quebrada.
Sopa passada,
que passa na ruas da voz acorrentada.
Sopa erguida,
que assombra a fé de gente entendida.


Vítor Horta

O regresso da Palavra

Folha branca,rasgada e feia,
Que do meu leito espreita.
Esconde palavras à ceia,
Que o fado não aceita.

Uma palavra se liberta
Da prisão de papel subjugada.
Procura uma porta aberta
De volta à mente atribulada.

Corre pela cama bruta,
Seguindo o calor do corpo.
Nada perdida como truta,
E já nao O sente morto.

Filha do turvo vinho,
E mãe, a infância frustrada.
Da família sem carinho.
Da avenida sem estrada.

Suja o lençol por onde passa,
De tinta fresca e delineada.
Marcando com sangue e raça,
A sua viagem nao planeada.

A mente do poeta era a meta,
Aquela mesma que um dia a expulsou
Com a velocidade de uma seta,
Para a folha nua que encontrou.

Mas a folha era escura e fria,
Sem vida,amorfa e fechada.
Reviver era o que queria
O rosto da mulher amada.

As lágrimas aí rolaram,
Lágrimas azuis que libertou.
O lençol puro mancharam
E a palavra ali se desenhou.

Os olhos do poeta mal abriram,
Sentiram logo um enorme calor.
Encadeados com a luz que viram,
Que brotava da palavra amor!

Vítor Horta